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Pterodata, Uma Experiência Interdisciplinar

texto publicado na revista eletronica VIRUS 4 da USP São Carlos

Dentro de uma reflexão que visa ampliar as fronteiras do pensar e fazer arquitetônico, urbanístico e ambiental, o arquiteto João Diniz - que atua em Belo Horizonte e tem sua obra construída ligada à produção contemporânea nacional também é professor no curso de arquitetura da Universidade Fumec - propôs a partir do ano 2000 a disciplina transArquitetura, que acrescenta à formação em arquitetura, urbanismo e design, experimentos nas áreas da poesia/literatura, fotografia, vídeo-arte, desenho, pintura, cenografia, escultura, consciência crítica/corporal/espiritual e também a exploração de ambientes sônicos e da música.  

 

Neste contexto de reflexões múltiplas nasce o projeto Pterodata, palavra nova que une a idéia de ptero, ou asa, vôo, e também o pássaro pré-histórico, o pterossauro, ao conceito de data, os dados, os files, arquivos de informação da atualidade, ou seja uma aventura extra tempo e espaço, pan-histórica, buscando ligar-se ao passado, presente e futuro.

 

O projeto Pterodata tira proveito das atuais redes de comunicação virtual e de recursos analógicos e digitais para realizar e divulgar suas pesquisas e resultados, que na maioria das vezes partem da idéia da existência de espaços a serem re-criados em ambientes sônicos, fílmicos ou fotográficos.  O método de trabalho parte da experimentação a partir de conceitos evolutivos e integrados onde timbres, texturas, células melódicas e rítmicas e samplers sonoros diversos se combinam a cantos, textos falados, vozes e sons coletados no cotidiano e contribuições de vários instrumentistas. Concorda-se aqui com a proposição de Murray Schaffer (2001), pesquisador canadense que aborda as paisagens sonoras contemporâneas. Schaffer defende que, face à independência da música em relação às salas de concerto e a multiplicação de técnicas que permitem uma produção musical a partir de "procedimentos aleatórios", caem por terra as definições tradicionais de música relacionada ao conhecimento formal de tal campo das artes. Fazer música deixou de ser uma habilidade específica de musicistas e se torna possível àquele que tem o domínio das novas técnicas de produção. As novas técnicas permitem ainda que novos elementos sonoros, além dos instrumentos musicais tradicionais, sejam incorporados à composição musical. Dessa forma, "hoje, todos os sons fazem parte de um campo contínuo de possibilidades, que pertence ao domínio compreensivo da música. Eis a nova orquestra: o universo sonoro! E os músicos: qualquer um e qualquer coisa que soe!" (SCHAFFER, 2001, p.20). 

 

No projeto Pterodata, esse universo sonoro formado por instrumentos, vozes e sons do cotidiano é sempre relacionado com a idéia de espaço e estrutura. O tempo da faixa sonora/fílmica é dividido em módulos complementares e diferenciados que propõem um discurso, narrativo ou abstrato, que transcorre unindo momento e ambiente, e tomando o aspecto gráfico/visual dos programas de edição e composição como sugestões dos resultados sonoros/musicais obtidos. Novos recursos técnicos permitem que o acaso e a improvisação participem freqüentemente do processo, através, por exemplo,  do input de dados que pode ser feito via mouse, teclado/controller, fala espontânea, gravação ambiental aberta ou a participação acústica ou eletrônica dos músicos e artistas colaboradores. Com tal independência do conhecimento formal musical permitida pela técnica e acesso a softwares diversos, o Pterodata  faz uso de procedimentos de criação e produção aleatórios, transformando assim seqüências matemáticas, como a série de Fibonacci, ou desenhos e croquis arquitetônicos em sequências sonoras "interpretadas" não apenas por musicistas, mas também pelos programas digitais de áudio. 

 

Em etapas posteriores, ou paralelas, os fonogramas em andamento se juntam a imagens diversas como células fotográficas ou de vídeo que editadas conjuntamente criam o elemento hibrido onde som e figura se des-integram resultando em arquivos que coexistem com as linguagens do videoclipe, da vídeo-arte, do documentário, do ensaio fotográfico temporalizado e da animação. Estas peças são geralmente divulgadas na www ou participam de performances presenciais onde a elas são acrescidas novas camadas ligadas ao momento da apresentação. Alguns fonogramas e vídeos podem ser considerados como obras abertas, pois os recursos técnicos utilizados permitem novas contribuições, remotas ou não, e por não serem idéias e arquivos fechados possibilitam edições e superposições posteriores por parte de colaboradores de faixas de áudio e vídeo diversas. Estas contribuições são sempre bem-vindas, resultando inclusive em versões variadas para uma mesma raiz compositiva.  

 

O conhecimento para estas realizações parte de um universo amplo, descontinuo e intuitivo de observações. A musica modal, serial e eletroacústica; o jazz, o progressivo e a musica étnica; a poesia oral, as performances teatrais, as rezas, mantras e discursos; os ruídos ambientais urbanos, sons de maquinas, de animais e da natureza, que aliados à animações virtuais em 3d, fotografia autoral, vídeos incidentais, grafismos evolutivos caligráficos ou digitais compõem um espectro de possibilidades combinatórias. 

 

Fazem parte deste universo de referências as obras de criadores como Brian Eno, Uakti, Robert Fripp, Tycho, Dahfer Youssef, Rob Rich, Edgar Froese, Juan Agreta, Cláudia Cimbleris, Steve Reich e outros. As parcerias e diálogos com artistas como Marco Antonio Guimarães, Paulo Santos, Eder Santos, Fabio Carvalho, Isabel Lacerda, Alexandre Cavalcante, LamieLa, Gilfranco Alves, Rick Bolina, Arnaldo Dias Baptista, Marcio Diniz, Dirceu Cheib, Jorge dos Anjos, Lô Borges, Eliza Gazzinelli, Daniella Zupo, Maria Bragança, Graziela Mello Vianna e Daniel D’Olivier também em muito ajudam na evolução do pensamento pterodático e na produção de novos resultados. 

 

O espaço sem fronteiras da internet é importante para a evolução e divulgação do projeto Pterodata. Os CDs  seguintes de 2004 e 2006 ‘Magma’ e ‘Intruder’,  existem apenas no espaço virtual onde estão disponíveis para audição e download em vários links. Foi ali na www, através de sites especializados e rádios digitais, que surgiram ouvintes, opiniões, críticas e parcerias provenientes de diversos pontos do planeta. Os principais tags para a identificação destas sonoridades e imagens são: experimental, minimal, sound design, spoken word, psicodelia, jazz, progressive, soundscape, chillout, meditation e outros.

 

Em 2007 é lançado o videoclipe ‘João Diniz no Circuito Atelier’ dirigido por Alexandre Pires Cavalcante sobre publicação na coleção da editora C/Arte de Belo Horizonte, revelando trabalhos em andamento que integram poesia, desenho, escultura, musica e arquitetura, com trilha sonora do Pterodata, falas performáticas, desenhos ao vivo, e espaços arquitetônicos. A coleção até então dedicada a artistas plásticos, tem pela primeira vez a participação de um arquiteto que é convidado a refletir sobre as relações entre a sua produção profissional e a sua visão de como as diversas artes podem interagir com um exercício arquitetônico interdisciplinar. 

 No filme EdJK de 2008 dirigido por Eliza Gazzinelli sobre o utópico mega-condomínio residencial JK, projeto de Oscar Niemeyer de 1954 em Belo Horizonte, a diretora, segundo suas palavras, toma a música do Pterodata como fio condutor da edição e monta este semi-documentário relacionando os sons produzidos por um arquiteto ao edifício, polemico marco da cidade.  

 

Em 2009, o Pterodata apresenta simultaneamente dois novos CDs: ‘Foz’ e ‘Welt’ com composições e execuções de João Diniz ao computador e com a participação de músicos como Daniel D’Olivier, Lincoln Cheib, Ricardo Cheib, Rick Bolina, Gilfranco Alves, João Marcelo Diniz, o artista alemão Thomas Schöenauer e a cantora franco-marroquina LamieLa. ‘Foz’ apresenta sonoridades mais ligadas ao conceito de execução em conjunto com os instrumentistas, enquanto ‘Welt’ lida com ambientes e climas mais experimentais. Estes discos foram mixados e masterizados e, em grande parte, gravados por Dirceu Cheib no conhecido Estúdio Bemol em BH. 

 

Estes dois CDs foram lançados em Belo Horizonte no espetáculo ‘Suítes Foz do Mundo’ onde João Diniz dividiu o palco com o multi-instrumentista Daniel D’Olivier, que também lançou na ocasião dois discos seus. Este espetáculo contou com a participação dos músicos Marilene Clara, Ricardo Cheib, Kiko Pederneiras e João Marcelo Diniz e gerou material para DVD ao vivo a ser lançado. Este evento sintetiza a experiência em apresentações anteriores ocorridas paralelamente aos festivais de Jazz de Ouro Preto em 2007 e de cinema de Tiradentes em 2009 onde João e Daniel desenvolveram as possibilidades de performances ao vivo unindo sons, imagens e textos falados.

 

O som do Pterodata está também presente na trilha sonora do filme curto ‘Olhocinefoto’ de 2009 dirigido por Fábio Carvalho e editado por Isabel Lacerda sobre a exposição fotográfica de João Diniz chamada ‘Roteiros Incompletos’, onde o autor propõe, através de fotografias em grande formato, uma leitura do cotidiano conjuntamente com os espectadores. Cada painel fotográfico surge, com algumas imagens, como uma interpretação parcial de uma situação cotidiana e o espectador é convidado, a partir de um titulo proposto, a continuar mentalmente a história. Esta mostra aconteceu entre outubro de 2008 e março de 2009 na conhecida parede/painel do Cine Bela Artes em Belo Horizonte, onde diversos artistas já apresentaram sua produção refletindo sobre as interfaces entre arte e cinema. No caso deste filme curto resultante desta mostra está proposto um fio interdisciplinar ligando a arquitetura, a fotografia, o cinema, a musica e a poesia. Este trabalho conta também com musica incidental de Lô Borges.


Em 2010 além de intensa atividade arquitetônica no escritório de projetos João Diniz prepara com o Pterodata um novo cd em parceria com o guitarrista Rick Bolina, e outro com a cantora LamieLa, além da edição do DVD ao vivo do espetáculo FOZ de 2009 com Fabio Carvalho e Isabel Lacerda. Estão ainda em fase de finalização os filmes curtos ‘Memories’ e ‘Flag Dead’.

 

Portanto,  a partir das inserções do projeto Pterodata nas produções citadas, podemos confirmar a imbricação, inerente ao projeto, de linguagens arquitetônicas,  sonoras, literárias, fílmicas e fotográficas. A experiência deste projeto interdisciplinar – mais que investigar de forma produtiva as possibilidades de um pensar arquitetônico e ambiental adiante das reflexões tradicionais das academias e de um fazer complementar à produção de projetos  –  procura aliar seu discurso e ideologia a conceitos ligados a uma nova consciência ambiental e social, onde numa postura política necessária ao século XXI, aspectos relativos à sustentabilidade, ou seria melhor dizer durabilidade, do planeta, são imprescindíveis. 

 

Desta forma, o projeto Pterodata através das novas mídias, redes de comunicação e acesso a diversos meios informatizados de produção e divulgação se une a grupos e caminhos que parecem indicar a possibilidade de um novo renascimento cultural digital neste momento onde caberá aos indivíduos e às comunidades se posicionarem ativamente frente aos desafios e linguagens desta nova era.

 

ouça os sons em: soundcloud.com/pterodata

 

autores:

João A. V. Diniz, arquiteto pela UFMG e mestre em Engenharia Civil pela UFOP, Professor na Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Universidade FUMEC em Belo Horizonte e diretor da JDArquitetura Ltda.

Graziela Mello Vianna, doutora em Comunicação pela USP, mestre em Comunicação pela UFMG, professora do Departamento de Comunicação da FAFICH/UFMG na área de Som e Sentido.

 

 

 

Referências e Publicações 

Bibliografia Principal Editada:

DINIZ, João Antônio Valle. Estruturas Geodésicas: estudos retrospectivos e proposta para um espaço de educação ambiental. Dissertação (Mestrado) - Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, 2006. Orientador: Ernani Carlos de Araújo

DINIZ, João; BRANDÃO, Carlos Antônio. Com vidro nos olhos. Textos de Carlos Antônio Brandão e fotografias de João Diniz. Belo Horizonte: Universitas/DCE UFMG, [s.d.].

DINIZ, João; PODESTÁ, Sylvio de. Desenho de arquiteto. Belo Horizonte: AP Cultural, 1997.

DINIZ, João; SEGRE Roberto. João Diniz arquiteturas. Belo Horizonte: C/Arte; AP Cultural, 2002.

DINIZ, João; João Diniz depoimento na coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/Arte; 2007.

DINIZ, João. Steel Life, Arquiteturas em Aço / Metallic Architectures. São Paulo: Editora JJCarol, 2010.

SCHAFFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora UNESP, 2001. 

SEGRE, Roberto. Arquitetura Brasileira Contemporânea / Contemporary Brazilian Architecture. Apresentação de Oscar Niemeyer. Petrópolis: Viana & Mosley, 2003. p. 170-171.

SEGRE, Roberto. Casas Brasileiras / Brazilian Houses. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2006. p. 44-47.

 

CDs (em edição física)

DINIZ, João: Octopus. Belo Horizonte: transRecords, 2001.

DINIZ, João: Pterodata. Belo Horizonte: TransRecords, 2001.

PTERODATA: Welt. Belo Horizonte: JDArq, 2009.

PTERODATA: Foz. Belo Horizonte: JDArq, 2009.


Principais filmes e vídeo clipes:

CAVALCANTE, Alexandre Pires: JD no Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/Arte, 2007

GAZZINELLI, Eliza: EdJK. Belo Horizonte: Olhar XXI, 2008

CARVALHO, Fabio: Olhocinefoto. Belo Horizonte; Ufa Audiovisual, 2009

 

Sites na internet:

http://www.myspace.com/204753427

http://www.lastfm.com.br/music/Pterodata

http://www.youtube.com/joaodiniz

https://twitter.com/joaodinizarch

http://www.facebook.com/profile.php?ref=name&id=699984193

http://www.facebook.com/pages/PTERODATA/238209590814?ref=ts

http://www.joaodiniz.com.br

http://www.architizer.com/en_us/people/profile/joao_diniz/?sr=1

 

contato:

João Diniz, fone 031 99573033, email: jodin@acesso.com.br 

 

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