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...neste canto moderno

João Diniz

5 de set. de 2011

Texto de João Diniz para o Jornal Hoje em Dia, 2011

A casa é a letra

a rua é a frase

a cidade é o texto

o país a estória

 

não fomos medievais

clássicos ou góticos

o Brasil se descobriu

num toque de caravelas

 

mas antes já existiam

a floresta a montanha

as tribos e linguagens

uma paz interrompida

 

em tempos coloniais

capitanias e degredos

onda império flutuante

da coroa ultramar

 

as costas em monologo

metrópole que ordena

enquanto vozes descobertam

novo ouro interior

 

gerais são outras minas

de brilho e de sangue

não perde o que evolui

na trilha da liberdade

 

e na riqueza degredada

num soldo compulsório

o mundo se transforma

em industrias e ferrovias

 

o aço a velocidade

arranha-céu ponte pênsil

telegrafo e dirigíveis

transatlântico desafio

 

fenômeno modernidade

Europa em convulsão

nestas lutas de influências

e o mundo em atenção

 

do lado de cá na praia

na montanha ocidental

sambávamos com gosto

num tempo que era imposto

 

quem não é eterno

existe só no momento

em que nasce e delicia

a fruta do dia a dia

 

curto passado convém

ao desafio do presente

fênix recém nascida

numa chama tropical

 

a história instantânea

bem nova e já moderna

a bordo do século XX

ancora na sulamérica

 

na terra das guanabaras

guararapes alterosas

pampas amazônicos

plagas e serrados

 

re enxergar o barroco

a trova o rococó

com lente de velho mundo

em olho Xingu Tupiniquim

 

na depressão do pós guerra

e um governo autoritário

o concreto é ondulado

na trama contraditória

 

internacionais interações

com Bauhaus, Corbusier

Manhattan, Champs-Élysées

ibero américas e áfricas

 

heróis da epopéia

Warchavchik, Mario de Andrade

Tarsila, Villa Lobos

Artigas e Capanema

 

Lucio Costa, Drummond

Prestes, João Gilberto

Darcy, Caymmi, Pagu

Cardoso e Bernardes

 

Reidy, Guimarães Rosa

Bandeira e Artigas

Murilo Mendes, Radamés

Carmen Miranda e Pelé

 

Oswald e Maysa

Portinari, Niemeyer

Athos Bulcão, Burle Marx

JK, Vinicius, Tom Jobim

 

e muitos muitos outros

que são luz tão forte quanto

mas que ficam no seu canto

brilhando por própria conta

 

todos com sua sina

lições do Aleijadinho

soar a nação mestiça

para si e para tantos

 

dos locais da invenção

do Rio bossa nova

de São Paulo industrial

Curral não só d’el Rey

 

nós do norte este sul oeste

críticos e regionais

atenção que reflorece

pós Pampulha e Brasília

 

nossa roupa é a pele

indígena, negra, mulata

branquela, nipo, cristã

portuguesa e pagã

 

alma é a coragem

neste país do futuro

(e de presente convulso)

de explodir esperanças

 

cansadas de aguardar

e promover as mudanças

com materna sabedoria

nestes passos de agora

 

será tolo o otimismo

do que veste para a festa

e logo de saída

leva uma bala na testa?

 

será justa a ira

de quem reclama de tudo

calando seu próprio grito

que impõe e não propõe?

 

faz sentido tanto amar

e ao mesmo tempo odiar

o sal de hoje e amanhã

na terra que é sua mãe?

 

vestir e comer

a pátria e a gente

a roupa é o corpo

a pele e a fome

 

encontro de partes

de escuta e falas

a tolerar construir

em grupo as diferenças

 

melhor da roupa é despir

passar para fora a alma

sentir do vestido de cor

uma luz no coração

 

moderno é modo

um mote a mais

muito mais que moda

um mito quiçá um moto

 

o Brasil é moderno

o Brasil é de novo

o Brasil é seu povo

o Brasil é de hoje...

 

nesse canto de mundo

um cântico que entoamos

com a fé deste segundo

e um sentir de muitos anos

 

Texto publicado e escrito a convite do Jornal Hoje em Dia em 2011, no suplemento especial do jornal que abordou o diálogo da obra de Athos Bulcão com a do estlista Ronaldo Fraga que apresentava na época uma coleção inspirada no artista.

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