As idades metálicas
João Diniz
10 de mai. de 2010
As idades metálicas, por João Diniz, texto de introdução ao livro Steel Life: arquiteturas em aço, 2010
A linha do tempo, as épocas humanas
Estão contadas em voz de fogo e pedra
A palavra metal, de origem grega, significa procurar, sondar
Tangendo milênios de conquistas e descobertas.
Na natureza estão puros o ouro, prata, platina, mercúrio, o cobre
Os demais minérios eram a princípio mistérios oxidados
Como bauxita e hematita que purificados são o alumínio e o ferro.
Na fogueira de 10000 anos atrás o estanho e o chumbo
São os metais macios que prenunciaram a Idade do Cobre
A primeira das idades metálicas que sucedeu a da Pedra Polida.
Nos fornos de 6000 a.C. surgem de cobre ferramentas e armas
E a idéia da metalurgia, na Pérsia, Turquia, Mesopotâmia.
O cobre mais o estanho inauguram a Idade do Bronze em 2000 a.C.
Armaduras, lanças, lutas, Odisséia, Ilíada e guerreiros.
Os dois metais fazem história e em 1500 a.C. começam a faltar.
Inicia-se aí a Idade do Ferro, uma nova etapa, o segundo milênio.
A hematita e a pirita em alta temperatura fazem o ferro
Que não mais vindo só dos meteoros, cruza a Idade Media até
A época gótica, e a renascença nas forjas dos monges e artesãos.
O ferro combinado ao carbono em baixas porcentagens faz o Aço.
E a partir do ferro gusa que é minério de ferro, carvão e calcário
Fundidos em alto forno, iniciamos em 1855 na Inglaterra
A produzir aço em larga escala, começa a Idade do Aço,
A era em que vivemos.
Naqueles meados do século XIX o mundo estava realmente mudando.
Máquinas, estações, indústrias, ferrovias, motores, operários
Reinventavam a história onde o ferro é o principal protagonista.
Os motores e os combustíveis fósseis passam a ser usados em escala,
Os antigos ciclos regenerativos da natureza são rompidos
A vida se transforma com a visão de um progresso ilimitado.
A nova lógica construtiva baseada na economia dos meios
Parece retomar o período gótico (1) e a ênfase na geometria estrutural.
O novo otimismo, deslumbramento e espanto se revelavam
Nas feiras universais, fábricas, pontes e gares ferroviárias
Construindo novas metrópoles, New York, Londres, Berlin
E obras simbólicas, Crystal Palace (2),Torre Eiffel (3), Brooklyn Bridge (4),
Cantado nas odes de Manhattan, de Mayakovski e Lorca
Refletidos nas passagens parisienses do filósofo Benjamin.
Tempos de mudança que chegam ao século XX cheios de força
E inventam a arquitetura moderna eliminando excessos,
Buscando essências, a casa máquina, o espírito novo.
A idéia do Less is More está presente nos projetos de Mies van der Rohe (5)
Numa perspectiva cultural e de industrialização da construção,
E nas obras de Buckminster Fuller (6) numa busca da máxima leveza
E das lições da natureza que podem inspirar o engenho humano.
Legados que vêm sendo interpretados e traduzidos desde então
Por arquitetos e construtores de todas as partes do planeta
No Brasil muitas obras tradicionais já praticavam a estrutura livre:
A oca do índio Xingu (7), as cabanas simples de pau a pique,
As casas em chapa metálica da Amazônia, a arquitetura colonial (8).
Também tivemos nossas primeiras estações em ferro fundido (9),
Ferrovias, indústrias, teatros, grandes vãos, pontes…
A arquitetura moderna brasileira, hábil no uso do concreto armado,
E que deslumbrou o mundo nos meados do século XX,
Teve também obras em aço com conceitos e imagens próprias.
Estruturas metálicas estão presentes na construção de Brasília,
E a partir de então passa para nossa história recente em obras como
As de Niemeyer (10), Lúcio Costa (11), Sérgio Bernardes (12), Éolo Maia (13).
Contemporaneamente o aço ganha força em novas questões,
Num momento em que a Terra se preocupa mais do que nunca
Com sua saúde, futuro, sobrevivência e sustentabilidade,
A construção metálica aparece como alternativa coerente que
Facilita a leveza, o transporte, a desmontagem e a reciclagem.
As jazidas, parques siderúrgicos e uma recente tradição construtiva
Fazem do aço uma importante inspiração para a arquitetura nacional.
Novas experiências e autores notáveis surgem a cada dia
Revelando as múltiplas possibilidades e sistemas do material.
A obra de João Filgueiras Lima, o Lelé (14), é um ótimo exemplo
De como a tecnologia e a cultura brasileira podem dar à atualidade
Uma mostra de sua vitalidade, espírito criativo e ecológico.
O presente e o futuro são mais do que nunca um desafio
Nas diversas possibilidades que assinalam aos arquitetos
Através das responsabilidades que colocam em nossas mãos.
As obras apresentadas nesta publicação
São a parte metálica da nossa produção arquitetônica.
Em Minas Gerais o ferro que está nas montanhas,
A produção siderúrgica e o pensamento de diversos profissionais
Acabam por nos contaminar com esta poesia metálica
E gerar oportunidades de trabalho e reflexão.
Os projetos e obras aqui apresentados foram divididos
Em função das relações principais que têm com o aço e seu uso.
Então as EC ou Estruturas Completas são obras que adotam
O metal como elemento único e principal de sustentação
Resultando produto conceitual e esteticamente alinhado a esta opção.
As EH ou Estruturas Híbridas são os projetos que conjugam
A construção metálica à construção em alvenaria
Respondendo às demandas de cada setor dos edifícios.
Nestes casos os elementos em aço estão localizados
Onde as transparências e leveza são mais necessárias.
AC ou Aço Cidadão são as situações onde o aço
Gera situações comunitárias de integração e uso público
Participando como um dos agentes da dinâmica urbana
Ou como delineador do cenário de transformações sociais.
Os AA ou Aços Artísticos são os casos onde o material
Define um objeto, não necessariamente arquitetônico
Mas que participa como elemento escultórico e espacial
Que qualifica com surpresa e cultura determinado ambiente.
Estes projetos e obras respondem a diferentes demandas,
Vindas do cliente particular, podendo ser indivíduo ou empresa,
Ou então solicitações públicas onde uma administração urbana
Gera e contrata uma situação projetual à qual respondemos.
Existem ainda os concursos de arquitetura e pesquisas acadêmicas
Que são situações voluntárias em que nos envolvemos
E podemos investigar elementos ainda não experimentados.
E existem ainda as situações de trabalho em que nos lançamos
Sem nenhuma demanda ou necessidade, pelo prazer de fazer,
Ou pelo amplo significado do ofício que é a Arquitetura,
Ou para simplesmente mantermos acesa a chama
Até que apareça um novo problema que ajudaremos a resolver.
Agora no século XXI, nesta nova etapa da Era do Aço
Num paralelo entre arte e construção de um novo tempo
Devemos recusar a Natureza Morta, ou Still Life
E com este material da contemporaneidade buscar a vida
Nas experiências e trabalhos em curso desta Steel Life.