POEMATÉRIA
POEMATÉRIA: Arquitetura da Palavra / João Diniz
reflexões sobre a exposição em 2022
MATERIALIDADES POÉTICAS
A poesia, nascida na oralidade e a princípio preservada pela memória de trovadores e declamadores ao longo dos séculos, avança materialmente, a partir desta comunicação oral, no momento em que passa a receber registros visuais através de vários tipos de representações físicas ou gráficas, onde a intenção poética, que é a de sintetizar o pensamento humano sensível, entra em simbiose com diversos sistemas de notação.
Existem exemplos, ao longo dos séculos que confirmam que a ideia abstrata da voz lírica, através do texto, está intrinsicamente unida ao suporte material de seu registro:
No século VII a. C. no ÉPICO DE GILGAMÉS, um dos primeiros registros literários conhecidos, originado da Mesopotâmia, contem lendas e poemas sumérios, grafados em escrita cuneiforme sobre argila, compilados pelo rei Assurbanipal sobre o deus-herói Gilgamés.
Os hieróglifos do templo egípcio de KARNAK, entre os anos de 2200 e 360 a. C., apresentam em baixo relevo, caracteres grafados sobre pedra fazendo parte das edificações e do espaço público. Procedimento semelhante se tem na Suécia do século XI onde na pedra deGRIPSHOLM estão escritas as RUNAS dedicadas às conquistas de guerreiros locais.
Nas culturas orientais, a arte da caligrafia, que une desenho e poesia, praticada desde a antiguidade de forma temporária, com pinceis e água em pisos de espaços públicos ou permanente com tinta sobre papel; evolui com a criação da impressão em série, creditada a BI SHENG entre os anos de 990 e1051. Esta é uma da 4 grandes inven,cões da antiguidade junto com o papel, a bussola e a pólvora. É conhecida a contribuição de JIKJI que em 1337 imprimiu o primeiro livro budista da Coreia, antecipando em um século a invenção da imprensa global móvel em 1439 pelo alemão GUTEMBERG.
Pode-se traçar um paralelo entre a escrita efêmera oriental em espaços públicos, acima citada, e as imagens que temos do PADRE ANTONIO VIEIRA (1608-1697) escrevendo seu pensamento poético e religioso sobre areias de praias brasileiras.
As conhecidas bobinas de papel artesanal contínuo do TORÁ, onde, a partir de 500 d. C, estão registrados os fundamentos da fé israelita, se assemelham analogamente aos escritos datilografados por JACK KEROUAK (1922-1969), em longos rolos de papel, suporte apropriado ao seu fluxo mental ininterrupto.
Mesmo sobre a folha plana do papel tem-se experimentações revolucionárias como as do poeta francês Sthéphane MALLARMÉ (1842-1895) que considerou a página como um amplo espaço criativo a ser ocupado por novas formas de diagramação. Da mesma forma aparecem algumas décadas depois, as grafias impressas pelos artistas do DADAÍSMO nos anos 1920, onde a experimentação com o texto aparece como uma nova arte visual. Recurso semelhante aparece nas propostas de EL LISSITZKY (1890-1941) que adotou a arte tipográfica como uma das vertentes culturais do construtivismo russo.
O texto poético se expande de forma visual e até volumétrica, ocupando o espaço urbano, nos trabalhos do catalão JUAN BROSSA (1919-1998) bem como nas propostas do americano ROBERT INDIANA (1928-2018) como em sua famosa escultura de 1964, comissionada pelo MoMA, onde se lê a palavra LOVE, passando a ser um ponto turístico das ruas de Nova York.
A oralidade dos primeiros tempos da poesia continua a ser explorada na contemporaneidade onde, podem ser citados, dentre várias, as apresentações para grandes plateias por Vladimir MAYAKOVSKY (1893-1930), onde o texto falado ganha grande significado político; ou os recitais de Allen GINSBERG (1926-1997) onde junto com seus companheiros da Geração Beat, propunha, de forma literária a partir dos anos 1950, uma nova postura da contracultura norte americana.
No panorama brasileiro podem ser destacadas as experimentações com poesia visual de AUGUSTO CAMPOS (1931) do grupo concretista paulista, ou de PAULO LEMINSK (1944-1989) que refletem a sonoridade de suas palavras poéticas em composições gráficas.
Mesmo em culturas consideradas populares, tem-se as manifestações de ARTUR BISPO (1909-1911) onde o texto desenhado ou bordado em vestimentas manifestavam imagens do seu turbulento inconsciente; ou as escritas urbanas do PROFETA GENTILEZA (1917-1996) que sistematicamente escrevia em espaços públicos periféricos de viadutos ou ruínas, criando registros com grande capacidade de comunicação.
Estas ações acima listadas, dialogam de forma espontânea com a ideia ‘POEMATÉRIA: ARQUITETURA DA PALAVRA’ desenvolvida pelo arquiteto João Diniz, não como analogias conscientes ou referencias diretas realizadas de forma intencional, mas como paralelismos reconhecidos, na maioria das vezes após a realização das obras que compuseram a exposição que será a seguir aqui descrita.
GÊNESE CONCEITUAL
A busca de uma ‘poesia ‘além da página’ já fazia parte de experimentações anteriores realizadas pelo arquiteto e poeta na criação de ‘poemobjetos manipuláveis’, ‘caligrafias expandidas’ em artes visuais, ‘performances caligráficas’, e em espaços públicos, e instalações penetráveis como CUBOESIA (2019) e em POÉTICAS LEITURAS (2021) trabalhos estes em parceria com a, também arquiteta, Bel Diniz.
Em 2018 surge a ideia de mostrar este material diversificado em uma exposição a principio programada para 2020 no Centro Cultural da UFMG. A fim de compensar o adiamento da exposição exigido pela pandemia, é iniciada, com estes trabalhos já existentes e com outros que iam sendo produzidos, a montagem por João Diniz do livro POEMATÉRIA: ARQUITETURA DA PALAVRA, que em muito ajudou na compilação e ordenação temática do material a ser oportunamente exposto.
Finalmente em 2022 a mostra acontece naquela instituição entre 19 de maio e 15 de agosto, sendo montada em espaço expositivo ampliado em relação à primeira proposta, na Grande Galeria, com suas 5 salas perfazendo aproximadamente 400,00 m2.
A proposta da exposição é explorar as possibilidades da união entre as artes visuais e o texto poético, buscando superar e propor possibilidades além do mais usual suporte da escrita que é a convencional folha de papel. Reflexões teóricas e práticas neste tema já aconteciam na pratica acadêmica do arquiteto-professor na (in)disciplina TRANSARQUITETURA, por ele criada e ministrada na Universidade Fumec em Belo Horizonte e em palestras e oficinas em outras localidades. Através destas reflexões, a prática profissional se dá de forma expandida unindo o projeto de edificações às atividades de ensino, e ainda convivendo com propostas autorais que envolvem design, fotografia, desenho, caligrafia, pintura, escultura, poesia, música, cinema e performance.
Estas autorias estão apresentadas na exposição através de blocos temáticos, que revelam a interdisciplinaridade que permeia a mostra, tendo sempre o texto escrito materializado em imagens ou objetos experienciáveis, como um eixo conceitual permanente.
A fim de conceber a ocupação do espaço da galeria, o autor visitou as salas expositivas com a curadora Celina Lage, artista transdisciplinar e professora da Escola Guignard e do PPGArtes (UEMG), e conjuntamente definiram as intenções principais do projeto expográfico realizado em colaboração com a arquiteta Bel Diniz. A intenção foi, a partir dos espaços da grande galeria, criar um percurso sensorial, ao longo de suas 05 salas, que será descrito a seguir.
SALA 1: PORTADA LÍRICA
Na Sala 1, o espaço de acesso à grande galeria está o título da mostra, um monitor de vídeo com textos de apresentação dos poetas Luis Turiba e Lucas Guimaraes, que serão apresentados mais adiante neste artigo; e o texto curatorial principal da historiadora, critica de arte (ABCA), escritora, professora (UFMG) e curadora, Marília Andrés Ribeiro, que já havia colaborado com João Diniz em exposições anteriores, e que neste evento pontua:
" O artista/arquiteto João Diniz nos convida a entrar no universo da Poematéria e experimentar a palavra poética transbordando do papel para o espaço expositivo do Centro Cultural UFMG.
Esta poética expandida e diversificada engloba obras híbridas, mesclando poemas, aforismos, manuscritos, poemobjetos, designs, esculturas, desenhos, pinturas, música eletrônica, vídeopoemas, cineclips, fonogramas poéticos, instalações e performances.
Somos convidados a percorrer os espaços específicos que se intercomunicam e apresentam as pesquisas do artista com diversos materiais, desde a caligrafia em papel presente nos Manusgritos, passando pela pintura com spray nos Typos extraños, a impressão de letras sobre tela nos Enferrujados, as esculturas de ferro apresentadas nos Tipogramas e Primas Líricos, até as faixas em tecido que descem das paredes para o chão revelando um novo hieróglifo através dos Decifráveis.
Dentro dessa magia poética, que transborda da poesia para a vida, encontramos a criatividade pulsante e a genialidade de nosso artista polímata João Diniz.
Marília Andrés Ribeiro"
SALA 2: CALIGRAFIAS FEMININAS
Na Sala 2, que é efetivamente o começo da exposição, estão colocadas ao longo do fluxo central, 6 mesas expositoras mostrando os poemobjetos manipuláveis ‘Lama’, ‘Fita’, ‘Circular’, ‘Infinito’ e ‘Dobra’; e o livro de artista ‘Caligraças’. Na maior destas mesas, ficam os livros, cds e dvds com trabalhos do autor nas áreas de poesia, musica e vídeo. Ali estão também as poesias tácteis dos ‘prismas líricos’ em miniatura, e o poemobjeto ‘Medida’.
As paredes à esquerda do percurso mostram as experiências com o desenho e a escrita realizadas na série ‘Manusgritos’ contendo a gestualidade da linha livre e da caligrafia espontânea.
As paredes da direta da sala, mostram a série ‘A que é’, uma homenagem ao universo feminino a partir da grande letra ‘A’ de metal que deu origem ao poema que compõe o ensaio visual feito sobre madeira com pinturas em spray e máscaras tipográficas. Nesta posição do espaço estão também duas telas que antecipam as séries a seguir, ou sejam: a tela ‘X’ com textos que planificam as palavras dos ‘Prismas Líricos’ e o ‘Díptico Amarelo’ da série ‘Typos Estraños’ realizados a partir de letras metálicas usadas como máscaras para a pintura em spray.
SALA 3: PERMANÊNCIAS TIPOGRÁFICAS
A Sala 3 funciona como uma praça central da exposição, onde está
o mobiliário da série ‘Octa Letra’, que são peças de design concebidas pelo arquiteto, incorporando as tipografias num texto aleatório, definindo um espaço de permanência para reuniões e assistência do vídeo de 60 minutos com vários filmes curtos do autor, contendo ‘cineclips’, ‘poemas dinâmicos’ e ‘leituras performáticas’. Este local, durante o período da mostra, abrigou uma série de eventos como saraus, performances e debates, com destaque para a conferencia ministrada pelo escritor e professor Anelito de Oliveira, quando este refletiu sobre a inserção do material exposto no contexto da arte e literatura contemporânea.
Ainda nesta sala estão as duas grandes telas da série ‘Poiesoxyds’, onde as letras metálicas funcionam como carimbos a partir de processos de oxidação sobre a tela; o ‘Díptico Azul, diversas telas de variados tamanhos da série ‘Decifráveis’, e o praticável branco com as peças ‘Poesia Cúbica 1 e 2’ e ‘Prismasense’ da série ‘Prismas Líricos’ em metal que são múltiplos que unem escultura, texto e design.
SALA 4: A PERFORMANCE DAS LETRAS
A instalação da Sala 4 se dá a partir de uma releitura da obra ‘Cuboesia e Jardim de Aço’, um pavilhão sensorial penetrável, inaugurada em 2019 nos jardins do Parque do Palácio, antigo Palácio Mangabeiras em Belo Horizonte, por ocasião do evento CasaCorMG. As letras de aço remanescentes da instalação do grande cubo foram aleatoriamente dispostas nas paredes e piso da sala, convidando os visitantes a, numa atitude interativa, montarem no chão, com os pés, suas palavras ou novas tipografias inventadas com fragmentos de letras.
Esta mobilidade das letras metálicas no piso da sala induziu à criação da performance ‘Avantypus’ concebida por Celina Lage e João Diniz, que aconteceu em diversas ocasiões durante o período da mostra, podendo ser visualizada em alguns vídeos aqui listados. Para tal atividade, seus criadores redigiram o seguinte texto propositivo:
Avantypus: performance em dois tempos:
As letras no chão sugerem um caminho de entendimento verbal, um idioma convergente.
Num primeiro momento a dinâmica dos diálogos buscados, nem sempre estão em acordo, configurando um ambiente de caos polirrítmico.
Após essa catarse inicial imagina-se a possibilidade do aprendizado e da evolução, indicando que, para um mundo convulso, é necessário criar linguagens, ou traduções revolucionarias, que transformem a desordem em serenidade.
Aí os agentes dessa progressão benéfica se empenham em inventar novos caracteres, a partir da ruptura das grafias do passado, para que com eles se escrevam as inéditas palavras da transformação.
Nesta sala estão ainda o ‘Diptico Vermelho’ e a grande tela ‘Typos Estraños’ que fizeram parte da serie e exposição de mesmo nome, e que têm as letras metálicas usadas como moldes ou máscaras para a pintura em spray.
RELEITURA ESVOAÇANTE
A Sala 5, que é o espaço final do percurso da mostra. Ao longo do trabalho com as grandes letras de metal, a partir de 2019, surgiu a necessidade de usos de um alfabeto menor, que pudesse gerar obras de dimensões mais reduzidas. Foi então confeccionado em papelão a tipografia onde as letras geométricas, em forma ou contraforma, partiam de um quadrado de 20 x 20 cm. A partir da utilização desse conjunto tipográfico nasce a série ‘Decifráveis’, que a partir da sobreposição das palavras, propõe uma espécie de hieróglifo contemporâneo, convidando o observador à sua decifração. As obras dessa série neste local, completam o conjunto iniciado na sala 3.
Ainda utilizando essa tipologia geométrica, mas neste caso em dimensões bem maiores, foi executada em outubro de 2021 a instalação ‘Poéticas Leituras’ no vão central entre as duas torres do conjunto Sulacap em Belo Horizonte, por ocasião do evento coletivo ‘Festa da Luz BH’. Para esta instalação foram criadas 13 faixas de 12 x 1,5 metros que pendiam flutuantes, numa montagem em diálogo com os edifícios e com a cidade, sendo percebidas à distancia, e fazendo parte dos trabalhos autorais que o arquiteto denomina ‘Poesia Urbana’ onde o texto e seu suporte interagem com amplos espaços públicos.
Na instalação da sala 5, 3 destas grandes faixas são dispostas longitudinalmente, partindo do teto da sala e ocupando seu piso sugerindo a leitura das palavras ‘OUSADIAS DECIFRAR MENSAGENS’ que surgem como síntese de toda a exposição.
DIÁLOGO ANTECIPATÓRIO
Na época da montagem da exposição, no sentido de se travar diálogos sobre a os conceitos da mostra e suas relações com literatura e arte, foi enviado a Lucas Guimaraens, o já citado livro em andamento, com o mesmo nome do evento que se seguiria, e este retornou o texto-carta abaixo reproduzido, onde Lucas, mesmo sem ter visto a instalação das obras que se daria a seguir, reflete sobre elas.
"COMO O SERTÃO, JOÃO SÃO VÁRIOS, por Lucas Guimaraens, 2022
Meu caro Poeta J.,
Seu Poematéria é matéria para um livro sobre o livro, sobre as artes, sobre o reconhecimento de si mesmo, dos outros e do próprio mundo. Se o concretismo de 1951 chegou ao Brasil por meio do artista e arquiteto Max Bill, nesta sua obra eu vejo um verdadeiro divisor de águas. Aliás, na extensa definição de Poematéria, você não utiliza a palavra “concreto” ou “concretista”.
Isto demonstra que o ponto de inflexão entre você e a santíssima trindade concretista da palavra se encontra em uma visão absolutamente madura do fazer espacial – ser consigo – dasein, expressão de Heidegger que significa, de maneira muito simplista, no “Ser-aí-no-mundo”.
Quando eu digo de seu momento de inflexão concretista, lembro-me especialmente da Introdução do excelente livro de traduções de poemas de Byron e Keats feito pelo augusto Augusto de Campos (editora Unicamp, eu acho).
Lá, ele já começa com um certo mea culpa, o que é nobilíssimo: “Uma das poucas vantagens da longevidade é a de poder reconfigurar conceitos e preconceitos, uma disposição que me fez reconciliar-me com poetas aparentemente tão distantes dos meus projetos juvenis de poesia (...).”
Como sabemos, o concretismo paulista, absolutamente genial para retirarmos os grilhões oxidados da poesia de origem modernista/europeia, também teve um lado nefasto: apagou (ou tentou) diversos poetas e escolas anteriores, como o romantismo e notadamente o simbolismo brasileiro, apesar de ter colocado Pound, e.e. cummings, Mallarmé, Apollinaire como os precursores do movimento.
Paralisaram a compreensão de poiesis no Monte Parnasso e por ali ficaram por longo período. Para eles (Décio, Haroldo e Augusto), o objetivo era aliar os recursos gráficos à arte (música, poesia e artes plásticas) e abstrair-se de todo envolvimento com o lirismo e o sentimentalismo artístico.
Do meu humilde ponto de vista, isso já foi um equívoco, haja vista que as sementes do concretismo nasceram na Grécia antiga e era realizado nas ágoras, para todos e com todos, uma tentativa comunicacional arraigada exatamente nos sentimentos do momento, live.
Ora, aí você já começa (e continua) com o seu calibre, com sua régua e compasso de um caminho original e originário, a meu ver, desde o seu poema “Infinito” que não nega a humanidade e seu humanismo, o sentimento, as conexões, o coletivo, além de abusar positivamente de toda pedra do chão: as cores, o ludismo, a fita à la Lygia Clark no seu trabalho “Caminhante”, enfim, uma convergência de intertextualidades que é também absolutamente original e originário, posto que, de tão diversificadas são suas formas e suas expressões, seu livro é na verdade uma ágora aberta no deserto, um local de todos e todas e não de uma escola ou preferência estética específica.
Você abusa positivamente da rima (já não dizem os grandes críticos literários, mesmo Pound, que toda fala é passível de metrificação? Basta vermos o que o genial Hermeto Pascoal faz com determinados discursos), como abusa também da ironia e da brincadeira, o que remete diretamente a outro grande esquecido da literatura mundial, Rabelais, quando ele nos diz que “le rire est le propre de l’homme”, que poderia ser traduzido ou como “o riso é próprio ao homem” ou “o riso é o limpo do homem”.
Seus ensaios tipográficos, a meu ver, têm mais relação com os ideogramas chineses (lá vem Pound novamente!) do que com o concretismo em si, o que leva sua obra, mais uma vez, para a senda do originário.
Uma coisa não pode ficar de fora: você é arquiteto. E, aqui, ele não concorre com o poeta. É uma visão holística que persevera. Em suas subdivisões, há a museografia que nos diz que a arquitetura é palavra e não que a palavra é arquitetura.
Isto é todo um outro viés e necessitaria de um longo tratado. Mas é também (não unicamente) o que você faz. Tudo o que você faz é transcultural, logo é palavra, logo é comunicação através da estética: esta tentativa de incompletude potente que nos cerca e que tentamos, como meninos recém desmamados, preencher: o reconhecimento de si mesmo, o reconhecimento do outro e o reconhecimento do mundo: um eco profundo, emissões e recepções que nos fazem humanos, demasiadamente humanos.
Você, caro Poeta, me completou."
FUNCIONALIDADE COMUNICATIVA
A Luís Turiba, poeta, jornalista e criador da conhecida revista nacional de poesia ‘Bric à Brac’, também foi enviada a edição digital inicial de 2020 do livro POEMATÉRIA, e este prontamente se propôs a, mais que dialogar sobre as ideias contidas no arquivo, escrever o texto-poema sobre o conjunto de obras, usado como uma das apresentações da mostra. Turiba, em matéria anterior sobre os trabalhos de João Diniz, cria o conceito de ‘Poesia Funcional’ refletindo sobre a materialização da palavra em diversos suportes. Abaixo o texto exposto na montagem de 2022.
UMA POESIA FUNCIONAL, por Luís Turiba, 2020
João mistura tudo e depois costura
Como arquiteto projeta seus poemas
para além das pranchetas
Sua régua e seu compasso trazem aquele abraço
João desenha palavras concretas que rimam e dançam
Às vezes balançam na batida beat de balalaica
Tudo com muita leveza & beleza & marcação atávica
Sua arquitetura é dançarina poética
Feito um panô bashô estampado de teatro nô
Palavras que se cruzam e
se iluminam em quadros de neon
Querem dizer isso mas dizem aquilo
Funcionam como pontes que interligam
caminhos de linguagens
Poesia para ele é síntese
A letra é recortada do ferro e do aço
Seus poemas fogem das páginas
Sua poesia é funcional
Seu livro está em praças,
em exposições, em estamparias
Versos que dão bom-dia à meia-noite
Frases que são toques em teleco-tecos
São grandes, são pequenas
Se enroscam que dão gosto
Se esticam sem atritos
Se alargam em vastos brilhos
que palavras podem acender
O caminho da sua poesia
é feito por luzes e cálculos
A medição da emoção está na não-ação
Nada é visto como deve ser
Às vezes você está dentro do poema e nem repara
É risco e é rabisco.
É som é movimento
João traz no nome a responsabilidade de ser João
E essa a função,
Quem há de duvidar?
LEGADOS PROCESSUAIS
A maioria dos trabalhos que fazem parte da exposição foi produzida entre 2020 a 2022, alguns deles no período mais agudo da pandemia. Foi sugerido pela curadora Celina Lage, em um dos encontros durante a exposição, que estas criações continham em si um oculto registro deste período repleto de vírus, temores e esperanças, e que isto poderia ser entendido como um dado histórico deste conjunto de obras.
A partir da abertura da mostra e dos trabalhos de divulgação feitos pela produtora cultural Andrea Dario, a exposição ganha boa divulgação na imprensa mineira como a página do jornal O Estado de Minas, e a matéria televisiva no programa cultural ‘Agenda’ da TV estatal da Rede Minas.
A eficiente equipe do Centro Cultural da UFMG registrou todas as atividades ocorridas durante o período da mostra e com este material editou o filme da série ‘Encontro com Artistas’ com a fala das curadoras Marilia Andrés e Celina Lage, de Joao Diniz, registro de performances e tomadas dos espaços expositivos.
Na data de abertura da exposição a fotógrafa Helena Fragoso realiza significativo ensaio fotográfico com composições incluindo as obras expostas em interação com seus visitantes.
Diversos galeristas e produtores culturais estiveram na exposição acenando com possibilidades de desdobramentos em outros espaços culturais, como o espaço expositivo da Escola de Letras da UFMG, e outras galerias da cidade. Uma nova exposição com a série ‘Decifráveis’ é inaugurada em dezembro de 2022 na galeria do Café Oop em Belo Horizonte.
Na época da abertura da mostra o Centro Cultural da UFMG publicou em seu website matéria com o release oficial e imagens de divulgação do evento.
Um plano sequência passando por todos os espaços da exposição e mostrando no final uma das performances ‘Avantypus’ em versão realizada por João Diniz e Celina Lage também está publicada online.
Após o término da exposição novos artigos foram publicados sobre a mostra como o diálogo/entrevista de com Myrian Naves na revista portuguesa InComunidade, a matéria com parte deste artigo na Revista de Literatura Spheras, a matéria feita com Marília Andrés para a revista do ABCA: Associação Brasileira de Críticos de Arte, e a matéria narevista de arquitetura 15.47, sediada em Brasília.
A partir da desmontagem da exposição, boa parte das obras estão expostas no Espaço JD710, sala/atelier de Joao Diniz. Entre dezembro de 2022 e março de 2023, as obras da série ‘Decifráveis’, que fizeram parte da exposição, estiveram expostas na Galeria do Café Oop em Belo Horizonte,
CRÉDITOS PROCESSUAIS
FICHA TÉCNICA
POEMATÉRIA ARQUITETURA DA PALAVRA
Exposição no Centro Cultural da UFMG de 19 de maio a 15 de agosto de 2022
concepção: JOÃO DINIZ
curadoria: MARÍLIA ANDRÉS e CELINA LAGE
expografia e montagem: BEL DINIZ
assessoria de imprensa: ANDREA DARIO
edição final vídeos: MÁRCIO DINIZ
confecção peças em aço: ACCERO
fotografias: BEL DINIZ, HELENA FRAGOSO e JOÃO DINIZ
serralheria complementar: SHEIK BAMBA
molduras: MAXWELL TELLES
diretor do CCUFMG: FABRICIO FERNANDINO
equipe de produção do CCUFMG: MARCUS DE QUEIRÓS e RONAN LOPES
AGRADECIMENTOS
Marília Andrés, Celina Lage, Bel Diniz, Márcio Diniz, Ângela Diniz, Sheik Bamba, Jéssica Neves, Rodrigo Leste, Luís Turiba, Rosangela Costa, Selma Bruno, Luan Batista, Yasmin Almeida, Jorge dos Anjos, João Aroldo Pereira, Maurício Andrés, Rick Bolina, Zal Sissokho, Dorota Wisnewska, Leri Faria, João Grillo, Eduardo Faleiro, Bia Quaresma, Lucas Guimaraens, Sylvio Coutinho, Fagner Dias, Juan Pablo Gonçalves, Fabricio Fernandino, equipe CCUFMG,Festa da Luz BH 2021, CasaCorMG, Accero Arte em Aço, Vivarte.