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POÉTICAS LEITURAS

POESIA URBANA / a voz do espaço
Sobre a instalação POÉTICAS LEITURAS por Joao Diniz e Bel Diniz arquitetos

O CONTEXTO COMO ARGUMENTO

O centro de Belo Horizonte, cidade planejada no final do século XIX para ser a capital do estado de Minas Gerais e fundada em 1897, é a área irradiadora de uma trama de quarteirões quadrados com avenidas em diagonal, rigorosa proposição geométrica, que pode ser visualizada no mapa da cidade, a partir do desenho original de Aarão Reis e outros engenheiros e urbanistas.

Os moradores da cidade, que carinhosamente a chamam de BH ou Beagá, se identificam com esta concepção de caráter racional com seus ângulos de 90º e 45º que contrastam, com a topografia ondulada do sítio de implantação, sugerindo, nesta aparente contradição, o caráter de seus habitantes: ao mesmo tempo contido e sensual, reflexivo e inventivo, local e expansivo.

Estas características de caráter humano e espacial podem também propor uma reflexão semelhante em torno do nome do estado Minas Gerais, onde ‘Minas’ se refere ao espírito daquele que cava a terra em busca de valores, e ‘Gerais’ diz respeito ao que vai adiante cruzando montanhas, descobrindo horizontes. Para estes dois perfis de pessoas é possível pensar que, paralelamente ao termo ‘mineiro’, que representaria o minerador fixado ao lugar, poderia também existir a denominação de ‘geralista’ representando os que dali partem, transpondo suas montanhas e horizontes como nômades e aventureiros.

Neste centro da cidade vários marcos edificados aparecem pontuando a geométrica organização viária, como o edifício Acaiaca, a igreja São José, o obelisco da Praça Sete de Setembro com seus diversos prédios com suas quinas em 45º, os edifícios da Prefeitura, dos Correios e o Parque Municipal.

Porém a construção mais simbólica deste conjunto construído são os dois idênticos edifícios Sulacap e Sulamérica, frequentemente citados como ‘as Torres Gêmeas de BH’, projetados pelo arquiteto Roberto Capello em 1941 compondo um conjunto construído que ocupa toda a quadra em formato de triangulo retângulo com a hipotenusa voltada para a Afonso Pena, a principal avenida da cidade.

As duas torres do conjunto se destacam na paisagem, e dos demais prédios do entorno por sua implantação no lote, girada a 45º em relação à avenida. Estes dois marcos verticais têm como embasamento volumes mais baixos, por sua vez em paralelismo com a avenida e as ruas limítrofes.

Essa dinâmica composição de volumes em ângulos gerava uma simpática pracinha de acesso junto à avenida que infelizmente se perdeu nos anos 1970 quando foi ocupada por um anexo contendo unidades comerciais, o que prejudicou sobremaneira a composição original ao nível do solo. Nas discussões sobre a recomposição de valores patrimoniais belorizontinos este anexo indesejado pela maioria da população, é sempre citado como um potencial candidato à demolição.

Reforçando a implantação do conjunto com torres, embasamento e vazios, está a Avenida Assis Chateaubriand, perpendicular à Afonso Pena e rigorosamente alinhada com o eixo de simetria dos dois edifícios, configurando uma longa linha de visada para o quarteirão do Sulacap.

A topografia do local em pendente rumo ao vale do Rio Arrudas é corrigida através do Viaduto Santa Teresa, ao longo do trecho plano da avenida Chateaubriand, com seus dois arcos estruturais que são um dos ícones da cidade, e que cruza por cima a Avenida que acompanha o rio. Esses arcos fazem parte das lendas culturais locais por onde, nos anos de 1940, poetas e escritores da geração de Carlos Drummond de Andrade e Fernando Sabino se desfiavam, em suas tertúlias literárias, a cruzar por cima a estreita superfície curva em concreto.

A vocação cultural deste centro urbano a partir do inicio da década de 1960 foi confirmada por outros movimentos artísticos que passam a surgir em torno das galerias do Maletta, um edifício de uso misto unindo residências, espaços de trabalho e comerciais, que funciona desde então como polo irradiador da vida boemia da cidade. Dentre vários artistas que ali despontaram podem ser citados o cantor e compositor Milton Nascimento e o poeta Marcelo Dolabella.

Nas cidades brasileiras, onde na maioria das vezes a paisagem é definida por edifícios pautados pela especulação imobiliária e pela cultura do lote individual, esta conjunção entre arquitetura e urbanismo, entre edifícios e traçado urbano, entre áreas vazias e ocupadas, pode ser vista como um fato notável aparecendo como um gesto original e exemplar, reconhecido por todos que valorizam a imagem e a história da jovem capital.


REVENDO CENTRALIDADES

A partir do começo dos anos 2010 a cena cultural da capital passa a contar com uma série de coletivos alternativos que reivindicam o ‘direito à cidade’ com uma série de ativismos e pautas ligadas à mobilidade urbana, à cultura de rua, à ocupação dos vazios com novos eventos, à redescoberta do carnaval até então quase inexistente. Todas estas ações inovadoras podem ser resumidas na invenção da ‘Praia da Estação’, o irreverente encontro de jovens que se banham em trajes sumários, desafiando a proibição das autoridades locais, nas fontes da Praça da Estação. Todas estas atividades têm o centro da cidade como um cenário natural e ideal.

No ano de 2021, a população de Belo Horizonte, como a de diversas outras cidades do Brasil e de outros países, estava recolhida e cautelosa quanto aos impactos da pandemia. Para o final do mês de outubro, quando já surgia alguma segurança quanto ao retorno de atividades presenciais graças aos avanços da vacinação, foi programada a Festa da Luz, evento cultural destinado a ocupar vários locais do hipercentro. Esta festividade, nessa data, passa a ser vista como a aguardada primeira confraternização após tantos meses de confinamento.

A Festa da Luz a exemplo do que acontece em outras metrópoles do mundo lida com a integração entre arte, tecnologia e paisagem, onde edifícios e pontos importantes da cidade recebem projeções, ou intervenções luminosas e sonoras, que chamam a atenção para o patrimônio construído que passa a funcionar como suporte para criações artísticas e efêmeras.

Para este evento em BH, foi proposto, pelos organizadores, um circuito continuo ligando o Conjunto Sulacap, ao Viaduto Santa Teresa, à rua Sapucaí com sua visada superior do vale do Arrudas, cruzando pela passagem subterrânea sob a linha férrea e chegando à Praça da Estação onde seu principal edifício, o Hotel Itatiaia, se transformou numa grande tela, Dali o circuito retorna ao ponto de partida com outros locais de projeção e sonorização propondo uma longa galeria de arte a céu aberto.

Entre os dias 25 e 31 de outubro o evento reuniu 24 artistas de diversas partes do Brasil e exterior que propuseram obras inéditas compostas de instalações artísticas, projeções mapeadas e performances. Os espaços públicos estiveram franqueados para a circulação e permanência de pedestres transformando as vias publicas numa sequencia de praças integradas.


DIÁLOGOS METROPOLITANOS

Como uma das obras a serem apresentadas os arquitetos João Diniz e Bel Diniz foram convidados a propor uma instalação que ocupasse o pátio central entre os blocos mais baixos dos edifícios Sulacap e Sulamérica. Este vazio descoberto, com visada panorâmica para o viaduto, interage com o Bar e Restaurante Sula que funcionou como o centro de encontro e celebrações do evento recebendo visitantes durante as tardes e noites.

A obra proposta, denominada POÉTICAS LEITURAS, é uma Instalação de arte pública e poesia urbana, conceito proposto pelos arquitetos e já desenvolvido em outras obras, onde o texto funciona como arte visual interagindo com o espaço circundante e seus usuários.

A montagem se deu através do posicionamento de 13 faixas verticais e iluminadas, feitas em tecido leve e medindo 12 x 1,5 metros, cada uma delas, com palavras de 8 letras impressas e suspensas por cabos de aço estendidos entre os dois blocos construídos. Estas palavras surgem como um poema contínuo que pode ter a leitura iniciada desde distintas posições. A escala urbana e local das faixas permite que o texto seja lido à distancia, desde a avenida do viaduto, ou desde o pátio interno descoberto. As duas fachadas que emolduram o vazio central onde flutuavam as palavras receberam projeções sonorizadas promovendo um encontro de autorias.

A imagem resultante apresenta o diálogo entre o tempo metropolitano, mais lento, que configura as mutações do cenário construído ao longo das décadas, e o tempo efêmero, mais volátil, e que durou apenas alguns dias com os tecidos tremulando ao vento e na presença das diferentes luzes do dia e da noite.

A proposta contem também outras duas formas de percepção onde a primeira se refere à comunicação imagética, através da combinação de cores e da geometria das letras que formam um conjunto gráfico muticromático que se contrasta com o cinza desgastado das paredes dos edifícios. A segunda forma de percepção é a literária onde as palavras se combinam propondo frases e significados que podem ser lidos continuamente, ou de forma reversa onde frente e verso das faixas se completam, ou de forma descontinua, com uma combinação quase aleatória, mas inteligível, do texto.

A Poesia Urbana, se realiza em distintas escalas da instalação. A escala pública se define pelo gesto de arte visual em dialogo com as escalas do entorno, acontecendo durante a permanência ou a mobilidade das pessoas, criando novos significados e ambiências. A escala individual se realiza quando há a interpretação introspectiva das palavras, no questionamento de seus sentidos e na relação destes com o entendimento de cada um. Mesmo não havendo essa leitura mais intima e textual da composição a instalação cumpre sua finalidade ao interferir marcadamente no espaço em questão.

Talvez seja possível detectar semelhanças entre a distancia do pátio, ocupado pelas faixas coloridas, ao viaduto vizinho; e o período de 80 anos desde o tempo atual até a época em que os poetas ali celebravam sua arriscada liberdade cruzando por cima daqueles arcos. Estes intervalos são efemeridades e caminhos que, através de buscas interiores e miradas distantes, descrevem tempos, espaços e vivencias propondo o diálogo constante entre experiências, narrativas e afetos que conectam as pessoas aos seus espaços na cidade.


João Diniz & Bel Diniz: arquitetos autores
Textos da instalação: Joao Diniz
Coordenação da montagem: Bel Diniz
Fotografia: Isis Ribeiro

Autor da intervenção no Viaduto Santa Tereza: VJ 1mpar
Autores das projeções ma nos Edifícios Sulcap e Sulamérica: Aline X, Coletivo Coletores, Keila Sankova, Laura Campestrini, Mari Gatis

Festa da Luz Belo Horizonte 2021 / Direção artística e realização:
Híbrido.cc / Publica.art / Associação Cultural Casinha
Patrocínio: Beck Beer / Cemig Energia
Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais

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